04 março 2009

POLÍTICA DE JUSTIÇA

Reproduzo aqui o artigo que publiquei a 3/3/2009 no Diário Económico, relativo à chaga social da Justiça, matéria essencial para que tenhamos uma melhor sociedade em Portugal.

"SISTEMA NACIONAL DE JUSTIÇA
A abertura do ano judicial, designadamente a intervenção do Srº Presidente da República, colocou uma vez mais a Justiça no debate político, matéria sem dúvida estrutural para qualquer sociedade. Muitas vezes confunde-se Justiça, com episódios da Justiça, ou seja com a mediatização de processos associados a políticos, à finança, ou tragédia neo-camiliana, que erradamente preenchem o debate sobre a Justiça. Mas a Justiça é muito mais do que isso, não só no plano orgânico, mas na sua nobre função de aplicar o Direito e consequentemente assegurar a existência de um verdadeiro Estado de Direito, surgindo mesmo como a última garantia na sua concretização.
A morosidade na sua aplicação é um tema recorrente, mas necessariamente presente, pois o desfasamento temporal na sua aplicação equivale, na prática, à denegação da Justiça, pois ao perder oportunidade não alcança o efeito de ressarcimento, sendo muitas vezes responsável por uma opção intencional de quem não cumpre, criando um ciclo vicioso injustíssimo. Assim, prolifera a descrença, a retracção dos agentes económicos e obviamente a perda de competitividade do país no quadro da concorrência global, pelo que é tempo de se olhar a Justiça como investimento, como prioridade económica, fonte de riqueza e não de despesa, onde, para além da nobre função de julgar, a mesma deve ser inserida num projecto colectivo de toda a sociedade.
O Governo apresentou algumas ideias e medidas para a melhorar, pelo que importa conhecer os resultados, parecendo contudo que não há registos significativos nesse sentido. De facto as medidas assentaram numa perspectiva muito sectorial, não dando relevo e dimensão ao valor da Justiça para além desse mesmo quadro que, embora necessário, é instrumental e acessório do seu fim último. Com efeito, o novo mapa judiciário, redução de férias dos magistrados, a criação de Julgados de Paz, incentivo à Arbitragem, limitação de Recurso com duas decisões no mesmo sentido ou atribuição de benefícios fiscais aos desistentes de acções judiciais, são opções organicistas e de descongestionamento processual, úteis à estatística, mas contrárias a uma plena efectivação da Justiça.
A dimensão da Justiça impõe um reforço dos meios clássicos, aposta nos recursos humanos, aumento de magistrados e naturalmente uma avaliação efectiva ao seu desempenho, na qual se conjugue uma apreciação qualitativo-quantitativa, com efectiva responsabilização dos mesmos. A Justiça carece de uma preocupação semelhante a um Serviço Nacional de Saúde, no caso um Serviço Nacional de Justiça, que funcione numa rede coerente, com princípios gestionários, assegurando assim um efectivo acesso universal dos cidadãos, onde também deve ser reapreciado o patrocínio oficioso, que deve caminhar para uma profissionalização autónoma.
Se é certo que há vários factores que contribuem para uma melhor ou pior Justiça, designadamente a qualidade da própria legislação, como alertou o Srº Presidente da República, o certo é que ela constitui o garante do Estado de Direito. Deste modo, todos esses considerandos são relevantes, devem ser tidos em conta, mas não podem condicionar ou justificar um estado negativo da mesma, pois a verificar-se não é mais que o espelho negativo do próprio Estado e da sociedade.
A Política de Justiça, para além de uma função de soberania, também é de prestação social e de coesão nacional, pelo que carece de ousadia e imaginação, deve interiorizar que é uma mais valia económica para o Estado e o seu último garante no quadro do normativo vigente. Deste modo as medidas a aplicar no sector devem introduzir elementos das áreas sociais, das clássicas prestações de serviços públicos, como a saúde e educação, surgindo transversalmente a toda a sociedade, pelo que mais que qualquer Pacto da Justiça, urge introduzir um choque ideológico na concepção e dinâmica da Justiça.
PEDRO PORTUGAL GASPAR (Mestre em Ciências Jurídico-Políticas, FDUL, Docente Universitário)."

Sem comentários: